Em 2016, Zoe X publicou seu primeiro livro on-line, na Wattpad. Dentro da plataforma de autopublicação, Zoe reuniu milhões de leitoras interessadas em dark romances. Dois anos depois, lançou seu primeiro ebook na Amazon, o primeiro volume da série Dark Hand. A obra ganhou mais de 9 mil avaliações na plataforma e 1.5 milhão de leituras na Wattpad. Em fevereiro de 2025, a autora lançou “Amor Profano”, pela editora tradicional Faro Editorial, um dark romance que pode ser encontrado em livrarias de todo o Brasil. A obra narra o romance entre uma mulher e um homem 27 anos mais velho, que também é o melhor amigo de seu pai. “Tenho livro no mercado tradicional e sigo com meus lançamentos independentes. É um equilíbrio que me permite chegar a novos públicos sem abandonar a base que me trouxe até aqui”.
O movimento é semelhante ao de outras autoras do subgênero. Atualmente, Gisa SR tem seus livros lançados em formato físico pela editora Cabana Vermelha. Antes de chegar até uma casa editorial, a autora costumava lançar livros de drama no formato digital. Foi encontrada pela Cabana Vermelha após começar a se aventurar no dark romance, em 2022. “No meu primeiro dark, o personagem principal seria um serial killer. Naquele momento, eu não estava muito preparada para escrever isso”. Tempos depois, durante a faculdade de Psicologia, Gisa pôde se aprofundar no tema. O livro “A Besta de Mayfair” foi lançado na Amazon em janeiro de 2023 e conquistou o público. Sua nova série de dark romance, “Os Filhos da Coroa”, com três obras até então, reúne mais de 7 mil avaliações na plataforma, com a nota média de 4,8 estrelas. “A escrita é imersiva e traz assuntos como, por exemplo, o abuso sexual”, explica.

Na tese “Placer Doloroso: Violencia y Erorismo en el Dark Romance”, defendida na Universidade do Chile em 2023, Anaitza Pinto Fajardo argumenta que o dark romance é emergente e pouco conhecido, então descrições e opiniões dos leitores são usados para defini-lo. A pesquisadora garante que a maioria das definições se concentra nos acontecimentos que ocorrem nos livros — como crimes e abusos — e no entendimento do dark romance como um subgênero derivado do romance que incorpora violência. Ou seja, um livro do subgênero sem o elemento romântico e sem um final feliz se aproxima mais de um thriller erótico do que de um dark romance. Graças a essas nuances e temáticas, muitos defendem que autores e editoras precisam adotar cuidados éticos antes da publicação de cada obra, passando-as por uma revisão sensível e crítica para evitar abordagens criminosas ou equivocadas.
Karine Moura é psicóloga e, atualmente, trabalha como leitora sensível, analisando questões delicadas e crimes que aparecem nas obras, verificando se a abordagem foi responsável ou não. Para ela, “existe uma diferença entre literatura erótica, literatura hot e dark romance”. De acordo com a revisora, a literatura erótica aborda temas sobre sexualidade de uma forma mais poética e lírica. O romance hot também, mas incorpora cenas sexuais mais explícitas. Enquanto isso, o dark romance utiliza, além de abordagens sexuais explícitas, aquilo que é conhecido como “romance tabu”. “Então, nas obras a gente pode ter situações de BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação e Submissão), age gap, que é aquela diferença muito grande de idade, relações de poder e submissão”, explica .
Após receber de autoras diversas obras de dark romance apenas com a solicitação de leitura crítica, Karine decidiu incorporar o serviço de leitura sensível, para não deixar as obras serem publicadas com apologias criminosas e irresponsáveis. “Após a revisão, infelizmente, acontece muito de preferirem manter o livro da forma que está, porque é vendável”. A psicóloga afirma que o problema mais recorrente é o envolvimento de menores de idade nas histórias. “Tenho visto isso com uma frequência assustadora, assim como a romantização da Síndrome de Estocolmo e muito do que, dentro da psicologia, é chamado de hibristofilia, que é um fetiche, uma erotização de pessoas que cometem crimes violentos. É o que a gente vê acontecer quando um serial killer é preso e começa a receber várias cartas românticas”.
Polêmicos, os dark romances costumam trazer, já nas primeiras páginas, uma lista de gatilhos, para que ninguém tenha uma surpresa negativa. “No Brasil temos altas estimativas de mulheres que sofreram assédio sexual, violência doméstica, abuso sexual e violência psicológica. Então, quando elas vêem uma mulher sendo retratada em situações como estas, podem ter um gatilho para crise de ansiedade, crise de pânico, regredir nos avanços que ela pode ter conseguido durante um acompanhamento psicológico”, explica Karine. Para Gisa, é importante deixar claro que o subgênero é ficcional, pois “o dark romance traz uma ilusão muito perigosa de que o amor salva”. A escritora reforça que esse é um lembrete importante tanto para quem lê, quanto para quem escreve, principalmente porque as obras, muitas vezes, têm um final feliz.
Como temas sensíveis e crimes — bullying, abuso sexual e assassinato, por exemplo — são recorrentes nas obras, o subgênero é destinado a maiores de 18 anos. A normalização das temáticas é uma preocupação, já que, apesar da classificação indicativa, menores de idade podem ter acesso às histórias. “Não existe uma maneira das autoras controlarem isso, o que elas podem fazer é sinalizar. É preciso avisar a classificação nas capas, ações promocionais, nos folders, nos banners, nos marca páginas, nas postagens no Instagram, em tudo, absolutamente tudo”, defende Karine.
Gisa conta que escrever os romances requer muita pesquisa. “É um processo. No livro ‘A Besta de Mayfair’ [que traz um protagonista sociopata] procurei casos reais, fiz imersão em séries, filmes, livros e em pesquisas. É preciso devorar conteúdo para formar um personagem”. Zoe X defende que, para escrever o subgênero, é preciso manter o respeito com o que é abordado. “Nunca romantizar violência real, nunca ignorar os gatilhos. Mas também não apagar as dores, porque elas fazem parte da vida de muita gente. O equilíbrio é delicado e exige responsabilidade”. No entanto, apesar dos cuidados, muitas autoras não conseguem se livrar dos estigmas sobre o subgênero e são acusadas de apoiar a violência ou romantizar temas delicados e até mesmo crimes. Gisa argumenta que escrever é um ato importante de resistência, da luta pela liberdade de expressão. “Na verdade, a literatura nacional em si já é muito julgada. Escrever um dark é estar preparado para entrar de cabeça num mundo ainda mais cheio de críticas”. Zoe X descobriu no subgênero um espaço para narrativas mais densas, com personagens complexos, que vivem no limite. “Foi onde encontrei um público que ama intensidade tanto quanto eu”. As redes sociais são o principal espaço para divulgação de críticas destrutivas e construtivas às autoras e ao gênero, e, neste mesmo espaço, as autoras encontram leitoras amantes do subgênero e constroem suas comunidades que se assemelham a redes de apoio.
AutorAs e leitorAs
“Uma leitora deu para o filho o nome do meu personagem — ele é russo e se chama Mikhail”, conta a autora Lucy Foster sobre a homenagem recebida pelo seu livro “Meu Lado Obscuro”, primeiro volume da série Ya Bratva. É nessa obra que surge Mikhail, protagonista mafioso da história.

As comunidades criadas por autoras de dark romance são um espaço seguro para as leitoras que, muitas vezes, preferem não expor as preferências literárias por medo de julgamentos. Desde que começou a publicar obras dentro do subgênero, Lucy criou um grupo de Whatsapp fechado para mulheres leitoras maiores de idade. “Se muito, 2% do meu público é homem”. Tudo no grupo é pensado para que elas se sintam confortáveis, então não é permitida a entrada de homens, menores de idade, ou mulheres que não leiam dark romance.
A criação dessas comunidades permite que as leitoras se encontrem em grupos fechados, seletos e seguros para compartilharem seus gostos literários sem preconceitos. Hagnis Cavalcante, leitora de dark romance, acredita que existe um receio de dizer que se lê o subgênero — e isso acontece porque ele ainda é um tabu. “As pessoas julgam muito por uma frase que leu sem entender o contexto. Ao meu ver, o dark romance é muito criticado por acharem que não tem um plot, uma história por trás, por ser apenas o erótico e a violência, sendo que não é”. De acordo com Hagnis, as comunidades criam bolhas muito fechadas, que se blindam das críticas e dos julgamentos.
No entanto, fora das comunidades, as críticas acontecem em peso. “Tivemos uma autora que foi muito atacada em sua vida pessoal pelas redes sociais”, conta Simone Souza, co-fundadora da Fruto Proibido. A editora tradicional de livros eróticos possui dark romances nacionais como maior parte do seu catálogo. Eles são assinados por autoras que, em sua maioria, usam pseudônimos. A alternativa é utilizada para garantir mais liberdade na hora de escrever. “Me deu uma camada de proteção – hoje, virou minha identidade como artista”, justifica Zoe. Mesmo anos após o início da carreira, Zoe utiliza uma balaclava em encontros com fãs e em fotos promocionais. Sua identidade nunca foi revelada.

Lucy Foster possui uma história um pouco diferente. Hoje, percebe que poderia ter começado com seu nome verdadeiro, mas entende que criou uma identidade com o pseudônimo. “Na época eu trabalhava numa empresa junto com meu marido e, como ia escrever erótico, pensei que poderia atrapalhar caso vazasse alguma coisa”. Menos de um mês depois, Lucy já estava mostrando o rosto nas redes sociais. Após a criação de uma comunidade de leitoras, o receio não existia mais.
Sair do digital para o mundo real, no entanto, nem sempre é uma experiência positiva. Fora das “bolhas”, autoras e editoras ficam mais expostas a indivíduos que não conhecem o subgênero e tem uma concepção errônea do que ele é quando feito da forma correta. “Escrever o erótico sendo uma mulher continua sendo um tabu e uma dificuldade devido às críticas. Já vi muitos leitores homens em fóruns dizerem que isso é uma forma de prostituição”, conta a leitora sensível Karine. Para a Fruto Proibido, a dificuldade está até mesmo em conseguir vender em livrarias físicas e ter espaço em eventos presenciais. Segundo a co-fundadora da editora, o olhar para as autoras e para as próprias editoras é ruim, tanto por parte do público quanto de alguns organizadores de feiras literárias, por exemplo. “Eu ouvi uma pessoa falando [em uma feira]: ‘ah, eu sei bem o que elas fazem para publicar isso, para ter esse sucesso’. Isso é uma frase difícil de ouvir. Todo o mundo trabalha duro aqui.”
Muito do preconceito com as editoras se deve ao receio com o subgênero. Simone defende que ele está crescendo, trazendo mais atenção para essas histórias. “Nós [do editorial] precisamos nos responsabilizar por essas leituras, avisando sobre os gatilhos e deixando claro que não é uma romantização. Precisamos quebrar essas barreiras”. O trabalho em conjunto abre um espaço dentro do mercado editorial que ainda está sendo conquistado, mas, segundo Simone, é um espaço delas. “A literatura erótica é feita de mulheres. É importante que elas estejam por aí, também sendo vistas e lidas”, defende.
Zoe X alega que o subgênero tem uma das comunidades de leitoras mais apaixonadas da literatura nacional. “A gente está abrindo portas. Mostrando que é possível viver da escrita, ser lida, ser respeitada, mesmo com histórias fora do ‘padrão’. O dark romance nacional está crescendo porque tem autoras corajosas e leitoras incríveis. E eu tenho muito orgulho de estar aqui”.